O Festival de Teatro de Curitiba ocupa nada menos que 72 diferentes
espaços cênicos na capital paranaense. Teatros, bares, casas, praças,
parque e ruas da cidade estão tomados por artistas nos 13 dias de
apresentação. Mas, na edição de 2012, uma peça do Fringe, a mostra
paralela do Festival, chamou a atenção pela ousadia. O espetáculo
Memórias Torturadas,
que conta a história de presos políticos paranaenses durante a ditadura
militar se passa exatamente no mesmo local onde ocorreram as torturas, o
presídio do Ahú, hoje desativado.
Em aproximadamente uma hora de apresentação, o público passa por
momentos angustiantes, percorre as galerias escuras do presídio, assiste
a uma cena de tortura no pátio central da prisão e, na sequência sobe
para o terceiro andar de alas de celas, onde acompanha a história real
de Ildeu Manso Vieira, militante comunista preso com seu filho, Ildeu
Júnior, na década de 1970 e seus companheiros de cárcere.
Com relatos pessoais colhidos do livro de Ildeu,
Memórias Torturadas e Alegres de um Preso Político
e fatos históricos colhidos nos arquivos públicos do Departamento de
Ordem Política e Social (Dops), o autor do texto, Gehad Hajar, conta o
drama dos presos políticos, as várias formas de tortura a que foram
submetidos e alguns detalhes curiosos e esquecidos na história
paranaense, como a passagem de um dia de Ernesto Che Guevara por
Curitiba e uma guerrilha que se armava no Parque Nacional do Iguaçu.
Memórias Torturadas foi a última peça a entrar na
programação do Festival de Curitiba, tendo sido confirmada apenas em
janeiro deste ano, isso porque a produção teve uma longa batalha
política para conseguir autorização para encenar dentro do prédio, que
hoje pertence ao Tribunal de Justiça do Paraná, que construirá o novo
Centro Judiciário no local.
"A ideia só faz sentido aqui no presídio, se formos levar o
espetáculo para fora, teremos que reescrever todo o texto. Trouxemos o
público para cá para sentir um pouco da sensação. Sabe-se lá quantas
pessoas foram torturadas e até morreram aqui dentro", contou Hajar. "O
objetivo é causar um mal-estar mesmo, para que as pessoas dêem mais
valor a quem deu a vida para termos um país democrático", prosseguiu.
O pesquisador disse que idealizou o espetáculo após ler em
jornais uma pesquisa publicada em 2006 em que Curitiba era a cidade com o
maior número de jovens que queria a volta da ditadura militar, com o
argumento de que se teria mais segurança. "Adorei que o público está
cheio de jovens. Foi para eles mesmo que escrevemos essa peça. Mesmo
porque eu não vivi a ditadura, não tenho a real dimensão do que esses
presos passaram. Mas, quero mostrar que pessoas morreram, ou ficaram
loucas para que a gente viva em uma democracia e que democracia não é
eleição direta, é o exercício diário", declarou.
Na plateia da estreia, vários membros da família de Ildeu, que
morreu em 2000, acompanharam a história, entre eles, Ildeu Júnior.
"Estou angustiado, me preparei bastante para suportar o pavor de voltar
aqui, de não desabar", disse ao chegar ao local. "Foi sensacional,
bastante real, fidedigno ao horror que vivemos. Tomara que sirva para
esclarecer aos que acham que a ditadura foi branda no Paraná. Meu pai
morreu em 2000 sendo torturado, estava preso em uma cama de UTI e
gritava por liberdade. Mas, apesar de a ditadura ter desestruturado
nossa família, tenho bem clara a sensação de que nada foi em vão",
concluiu.
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